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A PRAGA DO “NÉ”

Wellington Lisboa de Sena

 

Ele está em praticamente todo lugar onde exista um brasileiro. É um vírus tipicamente tupiniquim. É sorrateiro e se camufla nos vários dialetos e gírias existentes na língua falada portuguesa. Se você prestar um pouco de atenção na fala das pessoas ao seu redor ou mesmo nos telejornais, programas de televisão, rádio, de profissionais liberais, entrevistadores e entrevistados, com certeza, em algum momento, surgirá como ruído ou vício de linguagem, geralmente no final de frase, a pronúncia do “”. Mas o que vem a ser o “né”? – a abreviação de uma frase interrogativa negativa: “Não é?”, isto porque quando o interlocutor exprime caco fonicamente este mísero vício, o faz inconscientemente.

Quando comecei a observar a fala de inúmeras pessoas (e terrivelmente ainda o faço atualmente), sejam de quaisquer partes regionais do Brasil, pude constatar o dialeto viciante deste termo aglutinado que é o “né”.  Cheguei ao ponto de contar quantos “nés” uma pessoa pronunciava durante um telejornal ou entrevista. Mas, porque este vício fustigante e intrometido na conversa entre nós brasileiros? – O “né” está em todo lugar! Nos bares, nas escolas, nas universidades, nos púlpitos, nos telejornais, nos homens e mulheres de saber, intelectuais e artistas, enfim, por mais que possamos fugir do “né”, ele sempre nos alcança. É quase impossível declamar conversa sem lhe pronunciar, sorrateiramente. As pragas vêm e se vão, mas parece que esta veio para ficar. E quando a pessoa, além de pronunciar o “né”, inclui logo após a partícula negadora “não”: “né, não?” – como redutora da frase: “Não é não?”, aí o interlocutor já está dominado pelo “né”. O que diria o notável orador, estudioso da nossa língua pátria e fundador da Academia Brasileira de Letras, Ruy Barbosa sobre o “né”?

Obviamente não vemos o “né” na língua escrita, mas precipuamente na falada. Seria um desastre absoluto observar numa redação este vírus maligno de nosso belo dialeto brasileiro. Mas há de confessar que estou ficando quase maluco! – sim, porque não consigo mais ouvir quem quer que seja se expressar sem notar um “né” nas entrelinhas de um diálogo, palestra ou expressão falada de uma pessoa. E não me venha dizer que nunca ou jamais incorreu neste vício maldito que se incrustou subversivamente em nosso falar cotidiano; você também é uma vítima inconsciente. Eu particularmente estou me auto adestrando a eliminar de uma vez por todas este “né”. Mas qual seria a estratégia? Descobri que basta encurtar a frase ao se expressar verbalmente. Um de nossos defeitos, como brasileiros ao falar, talvez seja de querer juntar frases, procurando sempre justificativa para a frase anterior, na busca por uma resposta plausível em querer agradar o interlocutor. A busca da “aprovação”, da “aceitação” é uma característica de maioria das pessoas. Quase ninguém gosta de ser contrariado, de ser derrotado num simples diálogo, quer seja formal ou informal. O brasileiro fala se explicando, se justificando. É aí onde mora o perigo. Vendedores astutos sempre evitam a partícula negadora “não” em qualquer ponto da fala. Tente ouvir atentamente o melhor palestrante que lhe vem na memória… sim, perceba que durante a fala o “né” está lá, geralmente no final de frase em tom mais suave, após um lapso temporal milesimal que se junta imediatamente a uma outra frase, em tom mais forte; isso porque as frases quando juntas por esse liame tênue, apresentam uma tonalidade mais forte no início, estabilizando e depois, no que parecia ser o fim da frase, volta a um outro raciocínio, subindo a tonalidade. O “né” se infiltra justamente nesse meio-termo.

Falar pouco, conciso e preciso talvez seja o remédio depurador para eliminar o “né” dos nossos diálogos, sejam eles formais ou informais. Mas já lhe adianto que não é tão simples assim. É preciso um esforço hercúleo para vencer este que, talvez, seja o vício vernacular do dialeto brasileiro mais nefasto das últimas décadas. Não sou especialista na fonoaudiologia, longe disto! Gostaria que um profissional desta área pudesse aprofundar estas minhas simplórias observações a respeito deste vício procurando desenvolver meios científicos para quem assim desejar, eliminar da sua língua falada este ruído. Da linguagem escrita, volto a dizer, não notamos esse vício. O que estou apresentando como vício é de nossa linguagem falada, independentemente da região do Brasil. O bom observador irá constatar. Talvez isso não o(a) incomode. Talvez até você ache legal falar o né, aqui ou acolá. Talvez até seja bobagem escrever um texto levantando um vício que existe, sim, mas que não irá fazer nenhuma diferença entre milhões e milhões de brasileiros que falam os “nés” inúmeras vezes ao dia, sem perceber. Mas que tal tentarmos eliminar essa praga de nosso dialeto falado? Talvez seja esta uma primeira e decisiva resolução… né?

 

Wellington Lisboa de Sena é servidor público federal e professor de matemática.